O texto como evento comunicativo e de sentido
Essa postagem se trata, na verdade, da minha resposta feita para uma questão da disciplina de Linguística de Texto ministrada pela professora Mônica Magalhães na Universidade Federal do Ceará.
ATIVIDADE AVALIATIVA 1
Texto-base: CAVALCANTE, Mônica Magalhães et al. O texto e suas propriedades: definindo perspectivas para análise. Revista (Con)Textos Linguísticos, v. 13, n. 25, p. 25-39, 2019.
1. Defina texto conforme os pressupostos da linguística textual e demonstre, a partir do exemplo abaixo, por que o texto é um evento, uma unidade de comunicação e uma unidade de sentido em contexto.
De acordo com os pressupostos da Linguística Textual, o texto é um evento (1) comunicativo (2) que usa de elementos verbais e/ou não verbais para dotar determinado enunciado linguístico (linguageiro) de sentido (3). Dessa forma, pode-se perceber na primeira mensagem no exemplo acima, cujo cotexto é “Rita Lee sobre Brasil! Era para a gente estar nos Jetsons e voltamos para os Flinstones!”, um propósito comunicativo. No cotexto, percebemos uma situação de expectativa vs realidade demonstrada por meio de uma analogia: o desenho dos Jetsons, como uma animação de teor futurístico, aponta uma ideia progressista, enquanto que os Flinstones, que se contextualiza no tempo do homem das cavernas, representa o antigo, o antiquado. Assim, conforme o tempo passasse no Brasil, esperava-se um progresso, no entanto, o país encontra-se em retrocesso. Esse é o propósito comunicativo da mensagem, cujo sentido pode ser absorvido a partir de um conhecimento de mundo do leitor, que foi também utilizado pelo enunciador da metáfora. Além disso, ao postar as ideias da Rita Lee, José Simão aparenta concordar com tal analogia, ou seja, ao publicar tal twitter, que demonstra seu ponto de vista, o usuário tenta influenciar o leitor sobre seu modo de pensar, o que configura, portanto, a orientação argumentativa desse excerto, orientação essa presente em todos os textos, ainda que de diferentes formas e níveis. Esse texto inicial foi direcionado a um determinado público ( os seguidores e, consequentemente, os seguidores dos seguidores, haja vista o funcionamento da rede social utilizada), o que certamente influenciou também a forma como foi escrito: os elementos necessários para o sentido provavelmente já fariam parte do acervo de conhecimento de mundo da maioria do público, possibilitando, então, a comparação como suficiente para comunicar a opinião do autor. O sentido do texto pode ser dado de diferentes maneiras. Embora nessa explicação se tenha dado, até então, enfoque ao conhecimento de mundo, é possível perceber a importância do conhecimento linguístico, por exemplo, não só para a decodificação do que está escrito, mas para relacionar, nesse post, o “e” não como um elemento coesivo de adição, mas de oposição, compreensão essa importante para que o sentido do texto, de contraste, fosse absorvido de forma mais coerente. Além desses, é possível comentar o detalhe da data em que o post foi feito, que direciona a interpretação para o ano aproximado de 2021, além de a Rita Lee, conhecida por sua irreverência perante determinadas ideologias, ser, de acordo com o registro, a idealizadora da comparação; assim, contextualiza-se tal manifestação como referente, possivelmente, ao governo Bolsonaro, cujas ideias são vistas, por uma grande parte da população, como retrógradas. Vemos também, no exemplo, dois outros usuários que manifestaram suas opiniões, estabelecendo um novo diálogo comunicativo entre eles. Marco Henrique, a partir da inferência de que o post era uma crítica ao governo bolsonarista, parte em defesa de suas predileções e, diferente do twitter inicial, aponta os governos petistas ( de Lula e de Dilma) como responsáveis pelos atuais problemas, além de colocar o atual governo como a solução, ainda que insuficiente em 4 anos, dando a entender a necessidade de mais anos com esse tipo de governante no poder. Ao utilizar nomes modificados para se referir aos ex-líderes do Executivo, Marco Henrique confirma sua oposição aos governos anteriores, adjetivando Lula como ladrão e Dilma como anta, mais uma vez, tentando influenciar o pensamento do leitor, opondo esses pontos negativos ao salvador da nação, o Messias. Diante desse posicionamento, o usuário MARIO77 se contrapõe a essa ideia, fazendo, assim como José Simão e Marcos Henrique, uma estratégia comparativa: antes, discutia-se a autossuficiência nos combustíveis (a Petrobrás é estatal), agora, “doamos o Pré-Sal” (percebe-se na escolha do verbo uma visão negativa sobre a venda e sobre a utilização do Pré-Sal) e “sucateamos a Petrobrás” (visando, de acordo com a escolha vocabular e contexto brasileiro, à privatização). Assim, Mário finaliza com uma síntese: retrocesso. Observamos então que suas ideias, além de se oporem às de Marco, familiarizam-se com as de Simão, uma vez que vê o atual cenário como semelhante ao dos Flinstones, percepção essa também confirmada pela referência a “50 anos em 5”, plano de metas elaborado no governo JK, em que se avançariam 5 décadas em 5 anos de mandato, e, na perspectiva de Márcio, no governo Bolsonaro houve um efeito contrário, tendo um golpe (vocabulário escolhido novamente deixando nítido o pensamento do autor) como pontapé inicial. Há ainda um detalhe visual na captura de tela, um coração vermelho, que sugere que quem a fez se identifica, possivelmente, com a opinião do Simão. Assim, percebemos que um texto pode ser compreendido como composto por várias camadas ( ideia essa muito defendida por Koch) e que, segundo grupos de pesquisa mais recentes, como o Protexto, é caracterizado como um evento, ou seja, ao invés de um único texto que é lido a partir de diferentes camadas, são vários textos lidos em diferentes contextos enunciativos, temporais, linguísticos e culturais, por isso mesmo, diferentes leituras, ainda que o cotexto possa ser o mesmo. No exemplo em questão, poderíamos afirmar que, se feito há 10 anos, teria a chance de receber uma compreensão totalmente diferente, podendo, inclusive, ser visto como um ataque ao governo vigente na época ou, mesmo, a uma outra situação bem diferente da que foi assumida como a responsável pelo twitter. Além disso, se lido por uma pessoa que não conheceu algum ou nenhum dos desenhos citados, possivelmente a coerência do texto, embora permanecesse, não seria assimilada pelo leitor. Esses são apenas exemplos de como mudanças pontuais conseguem ocasionar grandes transformações na leitura de um mesmo cotexto, o que confirma o texto como um evento, em que a cada leitura se tem um novo diálogo textual, ainda que relido pela mesma pessoa - a impressão adquirida pela primeira leitura, por exemplo, não se repetirá na segunda, uma vez que o acervo cronológico mudou, assim como o leitor, que carregará consigo, pelo menos, mais uma experiência que influenciará a segunda leitura: a da primeira. Assim, cada texto é único e se renova, consolidando-se, assim, como um evento, que não “é”, mas “está e ocorre” a cada anunciação.
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